Friday, January 7, 2011

uuuh uuuuh uuuuh - Julia Pinheiro -


“Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num síndroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.

O síndroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.
Se há característica que imediatamente distinga o provinciano, é a admiração pelos grandes meios. Um parisiense não admira Paris; gosta de Paris. Como há-de admirar aquilo que é parte dele? Ninguém se admira a si mesmo, salvo um paranóico com o delírio das grandezas. Recordo-me de que uma vez nos tempos do Orpheu, disse a Mário de Sá-Carneiro: «Você é europeu e civilizado, salvo em uma coisa, e nessa você é vítima da sua educação portuguesa. Você admira Paris, admira as grandes cidades. Se você tivesse sido educado no estrangeiro, e sob o influxo de uma grande cultura europeia, como eu, não daria pelas grandes cidades. Estavam todas dentro de si”

PESSOA, Fernando. 2008. O caso mental português. Sintra: Editora Padrões culturais. ISBN: 9789898160942

...pausa reflexiva...

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